Novo coronavírus: veja como manter a saúde mental em tempos de pandemia

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Segundo Psicóloga da USP, fazer atividades que gosta (como ler livros), prevenir-se de fake news e buscar apoio quando necessário são algumas das medidas que ajudam neste momento

Por Danilo Moreira

A pandemia da Covid-19 tem modificado a vida de bilhões de pessoas em todo o mundo. O excesso de notícias (verdadeiras ou não) sobre o assunto, o distanciamento físico, as alterações bruscas e radicais na rotina, as consequências socioeconômicas e políticas decorrentes desse cenário podem provocar desconfortos emocionais ou, se persistentes, transtornos psicológicos mais sérios. É comum que esses períodos de crise gerem sentimentos e emoções negativas, tais como medo, raiva, angústia, tristeza, solidão, além de ansiedade e estresse.

Em um momento tão desafiador como este, é importante buscar o equilíbrio necessário para manter a saúde mental. Para falar sobre este assunto tão importante, a Gênio Criador Editora entrevistou a Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Leila Tardivo. A especialista é docente nos cursos de graduação e pós-graduação, além de orientar pesquisas em mestrado, doutorado e pós-doutorado da instituição. Leila também é Coordenadora do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social Apoiar, serviço que fornece atendimento psicológico à comunidade.

Leila abordou os pontos positivos e negativos desse mundo ainda mais conectado e destacou quais cuidados para a mente são essenciais neste momento.

Gênio Criador Editora: Como ter equilíbrio entre estar informado e se proteger da avalanche de notícias sobre a pandemia?

Leila Tardivo: O consumo em excesso de notícias realmente pode realmente fazer mal. Por isso, é preciso buscar o mínimo de informações que garantam o máximo de segurança e principalmente escolher de onde vai receber as orientações, seguindo fontes que possuem embasamento. Vivemos em um momento onde a Ciência é prioridade e fonte de informação, por isso, temos que confiar na orientação de professores, pesquisadores e autoridades na área da Saúde como as Secretarias, o Ministério e a Organização Mundial da Saúde (OMS), já que é uma pandemia que afeta todo o mundo. Temos no Brasil grandes Professores e Pesquisadores da área, o trabalho de universidades públicas e privadas, além de instituições como a Fiocruz, o Instituto Butantã, e é importante se atentar a quem tem informações corretas e embasadas cientificamente.

Por exemplo, se os especialistas estão afirmando que o isolamento social é importante, eles possuem embasamento para tal, pois sabem que é uma forma de diminuir a propagação do vírus, já que ele tem um grau de contágio intenso. Muitos já sabem sobre isso, têm noção dos cuidados a serem tomados nessas condições. Dito isso, a recomendação é consumir notícias sem exagero, ouvir e seguir as orientações sobre o que é necessário para se cuidar, por meio de fontes seguras.

Com indivíduos mais conectados às mídias sociais, como gerenciar essa frequência para que não se torne tóxica?

Esta é considerada a primeira pandemia na era das mídias sociais, sendo um momento que essas plataformas permitem a aproximação das pessoas, já que, por enquanto, não podemos ter contato físico. Por meio delas, podemos dar um “abraço on-line”, uma palavra de conforto, entre outras manifestações de carinho, além de empatia, solidariedade e entretenimento. Nesse sentido, seu uso não é tóxico. Ela pode se tornar destrutiva a partir do momento que se torna objeto de uso para a disseminação de notícias falsas. É importante que as pessoas que estejam antenadas utilizem as redes de forma criativa, disseminando notícias confiáveis, de fontes seguras, que levem ao crescimento e desenvolvimento de quem as lê.

Existem famílias nas quais indivíduos se recusam ou sentem muitas dificuldades em seguir o isolamento social. Como conscientizar essas pessoas (especialmente idosos e jovens) sobre a importância da prevenção?

Essa dificuldade da adaptação de adolescentes e idosos aos cuidados contra a Covid-19 é um desafio para as famílias. Contudo, brigar com eles ou lidar com essa situação de outra forma agressiva não serão úteis para convencê-los. É essencial que as famílias criem um ambiente na qual valorizem a harmonia e o equilíbrio em casa. Os familiares precisam conversar com esses indivíduos e reforçar as informações sobre a doença de forma segura, deixar claro os riscos que especialmente os idosos (faixa na qual enfermidade pode se manifestar de forma mais grave) correm, além de alertar que os jovens também precisam tomar cuidados.

É fato que muitos adolescentes estão com dificuldades de adaptação, mas eles precisam entender que mesmo se não apresentarem sintomas, podem transmitir para toda a família. Vemos por aí que as festas, como os pancadões, persistem em momentos de isolamento social, com pessoas que não se dão conta de que mesmo que não tenham sintomas da doença, poderão contaminar seu ambiente, sendo que a Covid-19 tem uma forma muito rápida de infecção.

Como o autoconhecimento pode ser um bom recurso em tempos de crise?

O conhecimento sempre pode ajudar, e o autoconhecimento envolve conhecer a si mesmo. Nas situações difíceis, são traduzidos pela percepção de elementos como nossos recursos e dificuldades. Neste momento, na crise do Covid-19 é natural sentirmos falta do abraço, do contato físico, dos familiares, dos seus colegas (no caso das crianças), os adolescentes de seu grupo, por exemplo. Quando as coisas não estão bem, temos que notar essas necessidades dentro de nós e buscar formas criativas de tentar superar as faltas e seguir adiante conforme possível. Por exemplo, no caso das crianças, os pais podem proporcionar encontros dos colegas por meio das mídias sociais, além de realizarem brincadeiras em casa. No caso dos jovens, precisam incentivar atividades que gerem uma interação afetiva na família ou o contato virtual com amigos para compartilharem ideias.

Quais dicas gerais você pode fornecer para famílias que perderam entes queridos vítimas do novo coronavírus?

Lidar com o falecimento de um ente querido sempre é complicado. É normal entrar no processo de luto, contudo, lamentavelmente será mais difícil neste momento fazer todo esse rito. De qualquer forma, precisamos apoiar essas famílias enlutadas. É preciso viver o luto para seguir adiante, entendendo que faz parte da vida, que enfermidades podem acontecer a qualquer um e qualquer momento. É necessário que os familiares e amigos busquem ajuda e presenças confortáveis. É importante buscar um alívio com o pensamento de que foi feito o que era possível para salvar o paciente. Você pode sim sentir falta do ente querido, buscar apoio pessoal e profissional se necessários, mas o que é muito importante é se cuidar para que não adoecer durante esse processo, sentir-se estacionado no desejo de viver. Se precisar de ajuda maior, deve sim procurar um especialista.

Professora Leila Tardivo, da USP

Estamos observando que muito provavelmente será necessário um cuidadoso trabalho com as pessoas no processo de readaptação pós-pandemia e isolamento, mas é essencial que desde agora já haja uma série de cuidados com as famílias que já passam por essas perdas. Será hora de dar apoio e ajudá-las a seguirem em frente.

A pandemia e suas consequências podem gerar pensamentos antecipatórios pessimistas sobre o futuro. De que forma é possível controlar e lidar construtivamente com eles?

Pensamentos negativos e pessimistas são características da depressão e sim, é possível controlá-los. Depressão não é a mesma coisa que tristeza ou saudade, mas pensamentos negativos, sensação de culpa e pessimismo exagerados são sim sintomas da doença. Se a pessoa tem uma tendência depressiva ou se o isolamento social incrementa isso, ela pode manifestar algum desses itens, mas se for algo que está a prejudicando muito e até paralisando a sua rotina, ela precisa procurar o suporte de profissionais especializados.

É claro que estamos vivendo um momento difícil, que pode desencadear pensamentos negativos, visões totalmente pessimistas em relação ao presente e futuro, mas isso não quer dizer que a vida acabou ou vai acabar. É importante que a pessoa que reconheça a possibilidade de sintomas depressivos procure ajuda, seja dos amigos, uma orientação com profissionais e, se for o caso, faça o tratamento corretamente. Uma dica essencial é que, durante a sua rotina, busque realizar atividades construtivas como consumir arte (filmes, séries etc.), aprender novas habilidades ou contatar pessoas que lhe fazem bem. É um ótimo momento para estreitar os laços de amizade, inclusive aqueles para os quais as pessoas nem sempre tinham tempo durante o cotidiano corrido.

Como o hábito de ler livros pode ajudar na preservação da saúde mental?

A leitura faz muito bem e precisa ser uma atividade na qual a pessoa goste, se dedica e se sente bem. É bom investir naquilo que te faça sentido, traga elementos bons e construtivos. Pode ser a leitura de um gibi, um romance, uma obra policial, por exemplo. Temos tantos escritores excelentes no Brasil... Fica o convite para cada um ler o que lhe faz sentido e traga crescimento pessoal.

Agora, se a pessoa não gosta de ler, pode fazer outras atividades como ver um filme ou jogar videogame, proporcionando-lhe elementos bons e que ajudem a desenvolver a criatividade. O importante é que façam uma atividade construtiva e que ajude a sair da passividade, do desânimo e pessimismo. Quando a pessoa não consegue sair disso sozinha, é como se ela usasse óculos cinza, e com a visão escurecida, perde a dimensão de que tudo passa, e que as crises podem sim ser sinônimos de autossuperação e descobertas de novas capacidades.

Quais outros cuidados podem ajudar a manter a saúde mental neste período de isolamento?

Além de investir na criatividade e construção de novos hábitos, acho importante também focar no exercício da paciência e da tolerância, buscando aproveitar ao máximo esse momento de isolamento social com a família ou quem você divide moradia, tentando partilhar bons momentos e viver em harmonia. É uma oportunidade para pensar na vida e na família como ela é, com seus defeitos e qualidades, sem dar importância para coisas pequenas e focando no convívio colaborativo e no amor. Caso a pessoa esteja sozinha, busque companhia on-line dos seus conhecidos, pois com certeza está cheio de gente por aí também querendo te abraçar e conversar virtualmente. Nunca podemos nos esquecer de que devemos ter esperança e que a pandemia vai passar, e isso irá acontecer mais rápido se tivermos consciência dos riscos, fizermos a nossa parte e ajudarmos ao próximo.

Você coordena o projeto Apoiar. No que consiste essa iniciativa e qual a sua importância no cenário atual?

O Apoiar foi criado em 2002 e é um grande projeto e serviço localizado no Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social, na USP, focado na formação do psicólogo no campo da Saúde Mental por meio do estudo, compreensão e intervenção a pessoas em situação de sofrimento. O laboratório faz a integração entre ensino, pesquisa e prática clínica, oferecendo estágio supervisionado para alunos de graduação (área da Psicopatologia e outras), e sendo um campo de investigação clínica para pós-graduandos, e articulações teóricas de docentes e pesquisadores.

Em função do isolamento social em tempos de pandemia e os atendimentos presenciais suspensos, estamos oferecendo à comunidade em geral o atendimento via Internet (Apoiar On-line), tratando pessoas que estão em sofrimento, inclusive profissionais da Saúde. Os atendimentos são feitos por psicólogos inscritos no Conselho Federal de Psicologia (CFP) para atendimento à distância, membros do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social, sob a minha supervisão e da Professora Helena Rinaldi Rosa. Seguimos todos os cuidados éticos e técnicos, mantendo a confidencialidade em ambiente seguro. Os interessados devem enviar e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo., e os contatos serão feitos pelas supervisoras.

DICAS ADICIONAIS PARA PRESERVAR SUA SAÚDE MENTAL DURANTE A PANDEMIA

A Força Tarefa PsicoVida, composta por especialistas de instituições renomadas como a PUC-RS e PUC-Campinas, desenvolveu a Cartilha para enfrentamento do estresse em tempos de pandemia. Confira abaixo algumas orientações importantes para este momento:

• Evite ficar o dia todo checando as mídias sociais (WhatsApp, Facebook, Instagram, por exemplo), lendo os jornais e vendo notícias para não haver sobrecarga de informações. Fazer isso pode te deixar com mais estresse e ansiedade. Procure delimitar um momento e horário específico para consumir essas informações;
• Pense em como pode deixar suas tarefas mais prazerosas. Busque cultivar um ambiente tranquilo no dia a dia, fazer atividades que gosta ou proporcione a sensação de ser capaz de realizar tarefas úteis;
• Separe horários para trabalho, lazer e interação familiar com o objetivo de organizar seu dia;
• Inclua na sua rotina ações de autocuidado como exercício físico, meditação ou relaxamento, uma alimentação saudável, incluindo frutas e verduras. Beba diariamente uma quantidade adequada de água;
• Faça uma lista das tarefas por ordem de prioridade e procure resolvê-las uma a uma. Pode ser necessário adiar algumas demandas não urgentes para outro momento;
• Para manter o foco, estabeleça pequenas recompensas após a finalização de cada tarefa, como assistir a um episódio de sua série favorita ou ficar alguns minutos com seu animal de estimação. Usar alimentos como recompensa pode não ser a melhor opção;
• Se você está preocupado(a) com sua situação financeira, uma boa dica é organizar uma tabela com seus ganhos e seus gastos. Estabeleça que gastos são essenciais e quais podem ser cortados;
• Acredite que pode fazer algo para melhorar a forma como está lidando com tudo isso. Reflita: sempre poderá encontrar uma solução;
• Tente, inicialmente, entender o que você sente e considere a possibilidade de que outras pessoas ao seu redor podem estar se sentindo como você ou podem estar confusas como você. Aos poucos, encontre oportunidades e relações que te façam sentir mais confortável para se expressar; 
• Desenvolver habilidades para lidar com os desafios ou relembrar estratégias que você já utilizou em outros momentos difíceis também podem ser úteis neste momento.

A Psicóloga Cleusa Sakamoto, Diretora Editorial da Gênio Criador Editora e professora da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom), também fornece algumas dicas adicionais para lidar com este momento no especial Saúde Mental & Covid-19. Os vídeos, divididos em partes 1, 2 e 3, estão disponíveis na página da faculdade no Instagram.

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também divulgou um guia com cuidados para saúde mental durante a pandemia, com orientações para pacientes, familiares, profissionais da saúde, cuidadores e outras pessoas em geral. Você pode conferir clicando aqui.

Para mais informações sobre o novo coronavírus, bem como os cuidados de prevenção e como identificar os sintomas, acesse o site do Ministério da Saúde, ou entre em contato com o Disque Saúde (136).

COMO PROCURAR AJUDA?

De acordo com Cleusa, ter sensações de angústia e medo neste período são sinais emocionais naturais, pois significam que existe algo preocupante a ser notado. O problema, segundo a especialista, é quando esse estado persiste e gera desespero. “Ficarmos subindo pelas paredes, começarmos a brigar com as pessoas e criarmos conflitos, por exemplo, não são atitudes saudáveis”, afirma. A psicóloga explica que a saúde mental é um estado dinâmico que pode ser conduzido. “Podemos guiar nosso equilíbrio por meio do nosso pensamento, comportamento e autoconhecimento”, destaca.

É claro que, infelizmente, nem todos conseguem obter esse equilíbrio e precisam de apoio especializado para ajudar a atravessar este momento. Existem alguns serviços de atendimento com profissionais de saúde que podem fornecer orientações e diagnósticos. Além do projeto Apoiar, que mencionamos acima, caso você sinta que precisa de ajuda ou conhece alguém que está com dificuldades para lidar com este momento, confira algumas dicas de serviços de apoio a seguir:

Centro de Valorização da Vida (CVV) — A organização realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo de forma voluntária e gratuita todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone (188), e-mail e chat 24 horas.

Rede de Apoio Psicológico — Plataforma criada por cinco psicólogos, é destinada a ser um ouvido de conforto para pessoas que estão precisando de apoio emocional. O atendimento on-line é gratuito e, de acordo com a conversa, os profissionais podem encaminhar o paciente para tratamento.

Central de Atendimento à Mulher (180) — Infelizmente, com o isolamento social, tem aumentado o número de casos de violência contra a mulher. Caso precise de algum apoio nesse sentido, você pode entrar em contato neste número, buscar orientações e fazer denúncias.

E-Psi – Plataforma reúne uma relação de psicólogos cadastrados que fornecem atendimento on-line.

Sabemos que são tempos difíceis, na qual muitas pessoas estão se adaptando a uma rotina que pode ser muito tensa, mas Cleusa relembra: “Estamos vivendo um isolamento físico, não emocional. Existem tecnologias que nos permitem estar próximos dos nossos amigos e familiares. Procure compartilhar suas dificuldades, conquistas, a sua criatividade e o que está fazendo para superar seus desafios. Mesmo virtualmente, devemos sim, neste momento, estar em contato com as pessoas”, reforça.

Informação correta, prevenção e equilíbrio mental são fundamentais para atravessarmos este momento, que, certamente, irá passar. É momento de exercitar a tolerância e, de acordo com a sua crença, a fé. Confie e faça a sua parte!