Faça a diferença e multiplique!

Você já ouviu falar em cidadania global? Saiba mais sobre essa corrente

Conceito une cidadãos de diferentes realidades e regiões do planeta, engajados em ações de impactos locais e globais

Por Danilo Moreira

Qual o tamanho da sua preocupação com os problemas mundiais? Você acredita que anomalias climáticas que acontecem do outro lado do planeta te afetam diretamente? Já parou para pensar se você, de onde lê este texto neste momento, pode fazer algo para ajudar o seu bairro, ou crianças famintas na África ou no Nordeste brasileiro?

Em um planeta cada vez mais conectado, a atuação dos chamados cidadãos globais tem sido cada vez mais intensa. A cidadania global é uma corrente social que busca impulsionar um novo modelo de cidadania, ativamente comprometida com o objetivo de alcançar um mundo mais igualitário e sustentável. O conceito envolve, de modo geral, um entendimento de que todas as pessoas pertencem a uma raça, a humana, e que todos os seres vivos estão interligados. Quem carrega este conceito deseja um mundo sustentável, pacífico e justo, e busca, por meio de ações locais e internacionais, cooperar e cobrar atenção de autoridades responsáveis para atingir esses objetivos. Essa mentalidade vai além de apenas buscar soluções para acabar com a fome, a poluição ambiental ou desigualdade social. Envolve também, por exemplo, ações que ajudam a combater e superar a violência, o racismo, preconceito por orientação sexual e identidade de gênero, entre outras medidas.

De acordo com a pedagoga e consultora em Educação e Comunicação do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), Madza Ednir, Heródoto (485-425 a.C.), o “pai da História”, pode ser considerado o primeiro cidadão global devido ao seu impulso de ir aos limites da cultura. “Não por acaso, ele viveu na Grécia antiga, o lugar onde a humanidade experimentou a democracia pela primeira vez. A livre circulação de pessoas e ideias geralmente produz uma profunda curiosidade sobre as pessoas de diferentes culturas e o interesse em aprender com elas – uma característica da Cidadania Global”, explica em seu artigo “Educação para a Cidadania Global: uma visão brasileira”.

Transcender fronteiras

“Ser um cidadão global significa transcender fronteiras, portanto, entender profundamente que os direitos de todas as pessoas são igualmente importantes. Assumir essa postura implica compartilhar princípios como a cooperação e a empatia, e ter sempre presente o impacto de cada ação em escala global”, afirma a estudante de Relações Internacionais da UNESP, Susana Sakamoto Machado, de 18 anos, em entrevista exclusiva ao Gênio Criador. A paulista ganhou o concurso mundial Social Venture Challenge pelo empreendimento social “Write Your Future” ("Escreva Seu Futuro", em português). A competição é uma iniciativa promovida pela organização sem fins lucrativos The Resolution Project.

O projeto de Susana é direcionado a jovens de 13 a 17 anos em situação de vulnerabilidade social no Estado de São Paulo, como órfãos ou aqueles que estão legalmente impedidos de viverem com seus responsáveis. “Além de um dos pilares da iniciativa ser o autoconhecimento, o Write Your Future tem seu currículo voltado para auxiliar esses jovens na escolha profissional e no desenvolvimento de habilidades essenciais para o mundo de hoje”, afirma Susana.

Susana-Social-Venture-Challenge

A estudante explica que a escolha de trabalhar com jovens sem convívio familiar e que moram em casas de acolhimento se deu pelo fato de que, legalmente, quando completam 18 anos, precisam deixar esses locais. O problema é que a maioria não possui uma base sólida para a vida adulta, com defasagem escolar e falta de atividades extracurriculares que não lhes permitem desenvolver habilidades importantes e definirem qual profissão desejam seguir. Tal combinação de dificuldades e carências resulta muitas vezes na imersão dessas pessoas no mundo do crime. O projeto busca suprir esse problema e estimular o empoderamento desses indivíduos para escreverem o próprio futuro.

A ideia é realizar workshops que estimulam a auto-percepção; as múltiplas-inteligências e o autoconhecimento; a relação entre corpo e a mente; as habilidades fundamentais para a vida profissional; além de auxiliar na escolha da profissão. As oficinas serão ministradas nas próprias casas de acolhimento e contam com a participação de voluntários. O projeto “Escreva seu Futuro” conta com instituições parceiras como o Centro de Integração da Cidadania (CIC) – Casa da Cidadania, Órgão da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Governo do Estado de São Paulo; a International Play Association no Brasil (organização em prol do direito do Brincar e acesso à cultura); e a Editora Evoluir Cultural (reconhecida pela UNESCO), que fornecerá material didático.

Susana foi premiada durante a décima nona edição do Youth Assembly (Assembleia da Juventude, em português), na qual mais de 700 jovens líderes de 85 países se reuniram para a maior conferência de jovens da ONU. O evento foi realizado entre os dias 1 e 3 de fevereiro de 2017 na sede das Nações Unidas em Nova York. A intenção foi discutir questões globais e contemporâneas tendo a juventude como o centro das discussões, além de abordar sobre os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Estabelecidos pelas Nações Unidas em 2015 em um acordo com mais de 150 líderes mundiais, os objetivos são um conjunto de medidas que servem de orientação para as políticas nacionais de todos os países do globo e atividades de cooperação internacional até 2030. Este acordo substitui os Objetivos do Milênio que eram direcionados aos países em desenvolvimento e com metas até 2015.

Como premiação, Susana receberá um valor de financiamento inicial, além de mentoria da The Resolution Project, da qual passou a ser integrante. Susana trabalha para os próximos passos da iniciativa, buscando parcerias em potencial para oferecer mais oportunidades aos jovens. “Planejo ajudar o maior número que conseguir, e sempre com qualidade, por isso conto com duas psicólogas auxiliando a revisão do currículo e a manutenção dos workshops. Espero que o projeto se expanda para além do Estado de São Paulo.”

Você pode assistir à premiação de Susana por meio da TV ONU. Para quem se interessar pelo projeto, desejar saber mais informações e colaborar, entre em contato com a própria autora pelo e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. .

Protagonismo brasileiro

De acordo com Madza, dentre os muitos aspectos da cidadania global, os mais alinhados às necessidades brasileiras atuais envolvem o poder de “promover a democracia; resgatar valores e habilidades sustentáveis ancestrais, de contribuir para restaurar o orgulho indígena e afro-brasileiros e promover a ligação entre o pensamento crítico e empatia, levando a ações transformadoras.”

Recentemente, a Fundação Varkey, instituição que promove o Global Teacher Prize, divulgou o estudo intitulado “Geração Z: pesquisa da cidadania global”, realizada com 20 países e 20.088 jovens participantes entre 15 e 21 anos. A pesquisa mapeou as prioridades profissionais, os valores pessoais e de cidadania desse grupo. Um dado que chama a atenção é que os jovens brasileiros são apontados como os mais pessimistas e desmotivados. Apenas 16% dos avaliados afirmam se sentir emocionalmente bem e menos da metade – 46% – acredita que o país é um bom lugar para viver. Susana concorda com a pesquisa e diz que tem visto muitos jovens descontentes por conta dos sérios problemas estruturais que se refletem em todas as esferas da vida social no país. Mas o fator que mais a preocupa é que esse desconforto não costuma se transformar em mobilização para mudar o cenário. “Percebo que falta perspectiva e engajamento, principalmente por parte dos jovens, porque também não se tem em mente que pequenas ações geram grandes impactos, e que, para fazer a diferença, basta não ser indiferente às questões com que convivemos diariamente. Falta a compreensão de que todos podem mudar um pouco o mundo todos os dias”, comenta.

Mas, diante desse quadro de desmotivação, de que forma é possível estimular uma mentalidade mais participativa cidadã nessa geração jovem brasileira? Para Susana, tudo deve começar “dentro de casa”, ou seja, pensar e se incomodar com os problemas da comunidade em que se vive, o seu bairro, e aos poucos ampliar a visão para as demais partes do mundo. “Gostaria que essa mentalidade fosse mais abordada nas escolas, e nesse quesito, o Brasil deixa a desejar”, afirma.

Global Citizen Planet

Abordar cidadania global é também falar do ativista humanitário australiano Hugh Evans. Engajado em causas sociais desde muito jovem, Evans percebeu que colaborar para acabar com a pobreza extrema e a miséria era mais do que apenas a realização de ações locais e pontuais. Eram necessárias mais iniciativas em escala global e que envolvessem mais pessoas. Foi então que, por meio desse novo entendimento de mundo, em 2012, à frente da Global Poverty Project, o ativista criou a plataforma Global Citizen. O projeto busca formar uma grande comunidade de cidadãos dispostos a colaborar em ações sociais, principalmente na redução da pobreza extrema, além de divulgar o conceito de cidadania global.

Hugh Evans TED

Em 2012, Evans criou também o Global Citizen Festival, um grande evento musical que tem como objetivo a divulgação e recrutamento de cidadãos globais para ajudar em diversas causas, além de alertar mundialmente sobre temas como a desigualdade e injustiça sociais, a pobreza extrema e as mudanças climáticas. O diferencial mais interessante está no acesso ao evento. O público é convocado a realizar algum tipo de ação social (por exemplo, assinar petições, realizar doações em instituições, assistir vídeos conscientizadores etc.) e em troca recebem os ingressos. A edição 2016 em Nova York contou com a participação de artistas como Rihanna, Demi Lovato, o ator Hugh Jackman, Metallica, Eddie Vedder (vocalista do Pearl Jam) e Chris Martin (vocalista do Coldplay), sendo este o diretor criativo do evento. A iniciativa possibilitou a realização de mais de 1,3 milhão de ações em todo o mundo e que irá beneficiar cerca de 199 milhões de pessoas.

Global Citizen Festival

Durante sua palestra no TED 2016, Evans contou sobre como chegou à conclusão da importância de fomentar e divulgar a cidadania global internacionalmente. Ele acredita que existem milhões de pessoas em todo o planeta que buscam mudar o mundo, mas, dentro de suas realidades, culturas e desafios, não sabem o que e como fazer. “E dados de pesquisas nos dizem que da população total que se preocupa com problemas globais, só 18% decidiu fazer algo. Não que as pessoas não queiram agir. Normalmente, elas não sabem como agir. Ou acreditam que suas ações não terão efeitos. Então tínhamos que recrutar e ativar milhões de cidadãos, em dezenas de países, para pressionar seus líderes a se comportar de forma altruísta”, explica o ativista.

Atitudes

“É preciso saber que ser cidadã(o) global não é um título, mas uma construção contínua. Então não basta fazer uma boa ação alguns dias do mês e ignorar os problemas em todos os outros”, explica Susana. Ela reforça que o mais importante é mudar a mentalidade e observar atitudes das pessoas e empresas em quesitos como sustentabilidade, por exemplo. “Se uma torneira aberta por apenas 5 minutos desperdiça 80 litros de água, não existe razão para exageros, e basta lembrar: um terço da população mundial, por exemplo, não tem acesso a água tratada”, explica a jovem, que também reforça a importância de compartilhar aprendizados, estimular a união de esforços e motivar iniciativas na prática.

Diante dos problemas do mundo, o conceito de cidadania global vem para acrescentar a todos – de qualquer idade – a conscientização da necessidade de enfrentarem com mais veemência os problemas do planeta. É um desafio difícil, mas que por meio da vontade e da união, pode trazer resultados impressionantes. Durante o TED, Evans resumiu bem o espírito da cidadania global. “Lembram-se de quando os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram assinados [pela ONU] em 2000? O máximo que podíamos fazer era enviar uma carta e esperar pela próxima eleição. Não tínhamos mídias sociais. Hoje, bilhões de cidadãos têm mais ferramentas, mais acesso à informação, mais capacidade para influenciar do que nunca. Ambos os problemas e as ferramentas para solucioná-los estão na nossa frente. O mundo mudou e aqueles que olham para além de nossas fronteiras estão no lado certo da história.”

Então, o que acha de se engajar nesta corrente? O mundo precisa de você!

Com informações de: Global Education Magazine, TED, Conectando Mundos, Época
Fotos: Divulgação

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